Xavier

Textos anteriores

A COERÊNCIA DE XAVIER

Que não se veja neste pequeno escrito a propósito e como intróito da exposição do Pintor Xavier, a intenção, e muito menos a pretensão de seguir o conceito prescrito numa “visita guiada”. Nem o autor da obra, nem ninguém ganharia nada com isso.
A pintura aconteceu, e uma vez exposta, fala o que tem para dizer e pelo seu jeito próprio, se tem capacidade para isso. Porque é original e criativa, obriga certamente que o observador descubra o seu léxico, com maior ou menor esforço. Essa, uma condição indispensável para o fluido se dar e a comunicação acontecer. Sempre o foi e sempre o será, na figuração temática ou na não-figuração.
Quando o Pintor Xavier designa “Sem Título” a obra exposta, desde logo convida, ou impõe que a apreciemos naquilo que é sua razão de existência, isto é: nos seus valores autónomos. Se quisermos porém, “ver”, e no campo das hipóteses imaginativas, esta pintura conduz às leituras mais variadas que se inserem numa estética da “obra aberta” defendida por Umberto Eco.
Com a presente exposição o pintor mostra toda a sua coerência num trajecto assumido desde sempre e isso é facto digno de registar.

Junho de 2001

Júlio Resende


O DESENHO VALSA NA LUMINOSIDADE DA COR

A pintura que se expõe segue o destino do encontro com o outro. Com o olhar de todos os outros, sempre diversos na interpretação! Não havendo fuga para a fruição da obra face às emoções que assaltam os espectadores. Quando desprevenidamente viajam, deixando-se envolver pelas propostas do pintor...
Tenaz e ferozmente ardem na tela as cores! Que atravessam olhares com intenso labor... Valsando numa chuva de signos do Tempo, da Memória e do Desejo de mais Além. Qual pôr do sol descrito a fogo em pedaços de azul repentinamente rasgados pelo trovão laranja! Irisando pingos d’ água a descreverem círculos multicores. Como quem ao pisar folhas escuta suspiros ou ao fechar os olhos vê as estrelas pontilharem madrugadas com circuitos infindáveis a cada aproximação. Onde algo pode estar explícito ou flutuante, tornando-se necessário encontrar-lhe o rasto. Do discurso pictórico que entrelaça fragmentos do visível com o imaginário, do longe com o perto. Num rodopio que o temporal levanta, na crista da onda que enlouquece a água, nos chamamentos de fogo levantados pela mão do vento! Na pura alucinação das ilhas onde intimamente reside a fonte do instante crucial em que a lava pode (ir)romper. Retalhando a manta do conhecido nas harmonias com que se debate a mente criativa do artista. Quiçá suspensa no deslumbramento estético da paleta. Entre as tensões que irradiam da força do cromatismo espacial...
Viajando por dentro da pintura de Xavier vai-se sabendo como ela surge no silêncio concentrado da meditação. Em interstícios de tempo em que ganhar atmosferas, intuír agitações urbanas, sentir as odisseias no espaço e planar no desconhecido tangente aos horizontes, se autentica a gestualidade abstracta como o único compromisso. Centralizado nas manchas com que harmoniza as composições, onde uma sensorialidade muito viva se expande, evocativa, para que o pintor varra conceitos realistas, financiando a existência de outros novos mundos. Surgidos da confluência rítmica das vivências arquitecturais e cósmicas, como se ele desse sede própria aos luzeiros que tremeluzem no escuro dos céus e os fizesse presentes na realidade dos elementos que a sua retina apurou dos lugares vividos. Origem destes sinais onde o Sonho ganha asas e parte, para gaúdio de quem retém marcas de passagem pelas cidades mais queridas - Santo António (do Príncipe), Porto, Paris ou Praga.
Da pintura de Xavier irrompe a sugestão da intimidade discursiva do que ele ama, para que se apresente a esperança de “quem procura sempre encontra”. Lá, nos ritos da composição que fornecem pistas para seguir fragmentos de lugares a levitar em fundos multicolores. Onde as malhas urbanas propõem destinos de confronto entre o conhecido e o que jamais se viu! Porque a inércia e a monotonia desocupam os vasos comunicantes desta pintura, ousando sobreocupar a mundivivência quotidiana em direcções abertas... Assegurando travessias suspensas entre matizes e transparências, duplicando sentidos, onde a ordem dos riscos chove na desordem das manchas num tudo-dito que estará sempre por dizer! Na eficácia criativa dos contornos que a paciência oficinal de Xavier metarmofoseia em realidades fictícias. Num deambular pelas cidades (des)feitas em correrias de gente. Ora escondida ora actuante, transportando o território abstracto da fuga para os longes onde possa ser feliz. Levando na bagagem o som dos passos, a incredulidade dos gestos, a tensão dos movimentos que fluem e ecoam. Multiplicando-se sobre pontes, árvores, rios, estátuas ou torres. Por entre chuveirinhos de luzes, minúcias e poeiras, que legitimam a ficção imaginária da pintura onde todo o visível se (re)constrói. Na segurança intrépida do desenho que valsa na luminosidade feérica das cores!...

Canelas, Outubro de 2000

Margarida Santos


A MAGIA DA CIDADE

A Arte pode ser misteriosa e sem querer quererá traduzir o oculto que se instala no avesso de todas as coisas?
O artista pode então ser um transformador do visível em invisível / visível que, ao deixar-se imprimir na película da sua sensibilidade, pode pintar sem saber ao certo aquilo que pinta?
São questões que se colocam perante a pintura de Xavier tal a transcendente força que a sua obra revela. Força na tradução polícroma das superfícies e na amálgama das cores. Força do movimento na segurança do traçado das linhas. Força no conjunto da composição livre que aparece contida mas transcende a emoção.
Força e enigma e labirinto. Força que dimana do enigma. Pois tudo o que sugere não é, sendo. Ausente e caótico, numa liberdade total onde a desordem e a desconstrução mais não são do que a busca da linha que leva ao novelo e, consequentemente, à essência que conduz à compreensão total da obra do artista.
Toda a pintura de Xavier é atravessada pelo mesmo fio condutor, obsessivo, que é a construção do espaço da cidade, numa arquitectura espacial feita de cor e matéria, mas também de desenho decomposto.
Desenho curvilíneo que assenta em duas vertentes do equilíbrio formal e cromático - ora se acentua em volumetria pela marcação paralela e dupla da cor em traços largos ora se expande em pequeninos e imperceptíveis traços. Destas expressões da linha resulta um espectacular movimento cénico e uma sugestiva envolvência dos ambientes.
Paleta viva de grande riqueza estética, coesa na sua plasticidade, de colorido intenso de onde aqui e além perfura uma luz especial que enlaça pela plenitude que significa. É que o pintor pinta a cidade da vivência de todos nós - o Porto - trazendo a luz e a cor da sua para sempre guardada Ilha do Príncipe (memória e saudade do Paraíso?) ao mundo visível da Arte.
Na presente exposição Xavier apresenta vinte e cinco pequenas pinturas recentes, acrílicos sobre cartão. Obras de pequeno formato mas duma maturidade invulgar, revelando anteriores fontes - Kandinsky, Vieira, Nadir - mas completamente autónomas quer na linguagem plástica quer na afirmação singular de perfeito rigor pessoal.
Sob o ponto de vista de emoção dimanante da cor e de multiplicidade oculta dos enigmas propostos no desenho, estas obras de pequeno formato são preciosas. De rítmos e movimentos e até de musicalidades, como se do reboliço citadino se evolasse o silêncio contemplativo!, como se da profusão intensa dos sinais urbanos e das gentes sobrasse um derradeiro apelo à harmonia e ao sonho!, como se não fosse permitido escapar aos mistérios do vai-vém da cidade, dos seus monumentos, ruas, casarios, festividades, rio e margens, e até do homem que pacatamente lê o jornal em pleno coração da Avenida ou do casal que se abraça num completo abandono no centro da paisagem!
Cada quadro é uma janela escancarada sobre uma cidade fragmentada onde se pode descobrir qualquer sinal arquitectónico conhecido ou uma cena amorosa. Janela aberta a um espaço sempre pronto a renascer a qualquer momento, pela magia do pintor.

Junho de 1997

Margarida Santos
Ler mais... ler mais...

entrada