Xavier



SEDUÇÃO

Na antevisão da exposição, para o Xavier o mais imprevisível terá sido a escolha do tema, e o mais assombroso foi prepará-la numa mescla racional do foro íntimo e de diferenciadas pesquisas visuais. O conceito residia em plasmar emoções, estilizando as relações amorosas, usando os artefactos residentes no seu modo particular de resolver a Pintura.

O atelier espaçoso e impecavelmente arrumado recebeu telas de dimensões variadas, escolhidas criteriosamente, para dar início a uma empreitada de lazer. A futura exposição começava num frenesim de paleta colorida, tropeçava na ponta dos pincéis e no dorso das espátulas que roubavam à paleta de azulejo as misturas de cor que se esborratavam, em queda premeditadamente acidental, na brancura dos suportes. O pintor debruçava-se sobre a mesa entre os acrílicos e as telas, cobria os fundos com as cores intensas da paixão, recobria-os vezes sem conta, até atingirem uma solidez impressiva. Não ocorriam desperdícios no aproveitamento das tintas que sobravam e donde emanavam trechos coloridos, antecipando cenários por onde freneticamente se moveriam personagens. Adiante, nas manchas, iriam boiar linhas de movimento com fortes indícios duma sensualidade crua e erótica, desnudando pares entrelaçados. A construção das teias que intrincadamente tecem histórias de prazer e delírio erótico apresentava-se para ser desvendada.
Para o pintor tudo girava à volta da concretização de desejos cautelosamente escrutinados. Sem explicações nem diálogos consentidos, entregava-se a uma solidão difusora de conflitos internos, crendo que a Arte tudo resolve. Seguindo em frente, mantendo um estilo que se situa entre o que afirma o cromatismo intenso e aleatório da sua paleta e o que pretende dizer por metáforas premeditadamente complexas. Os seus signos definem-se incompletos e soltos em detalhes decifráveis por guias a duas cores que, no contorno dos corpos, contam histórias de luxúria, de êxtase e de entrega entre o homem e a mulher. Relatam amores e paixões abertas, que podem ascender ao delírio ou ao desconforto, dependendo da interpretação que as dilate ou minimize, e do olhar que as enlace, resgate ou plasme.
Os jogos pictóricos a que Xavier se impõe quando e enquanto cria estas composições e as pinta divertem-no e ditam regras severas de tempo e dedicação. Enleia-se nos desenhos que começam pequeninos no papel e se ampliam para as dimensões das telas, desfasados uns dos outros, mas interrelacionados pelo fio condutor da densidade emocional. Vai dando forma a um traçado de riscos duplos geometricamente planeados. Ao desenhar a pincel a duas cores surgem linhas muito seguras. As suas mãos parecem robotizadas no curso dum traçado rigoroso e perfeito. O virtuosismo corresponde à trama oficinal duma mão que teima, treina e se empenha a fundo no acto de pintar. No final dos seus enquadramentos dinâmicos, a abençoar cada um dos desmandos temáticos, a mão soltasse-lhe numa profusão de tracinhos imanentes dum código leve, esteticamente harmonioso.
Os seus quadros apresentam-se assim tecnicamente completos num discurso tripartido: fundos, desenhos, sinais. No conjunto desta exposição temática eles somam a estupefacção, a irreverência e a ousadia dum Eu dobrado sobre as suas próprias fantasias, revelado nesta nova série a que decidiu chamar «Sedução».

Outubro de 2009

Margarida Santos



Toda a obra lembra outra obra e todas as obras se remetem à sua própria matriz, geradora da criação sempre a renovar-se.
As esculturas cerâmicas que Xavier agora apresenta são uma verdadeira surpresa! Belas, revelam uma extraordinária tenacidade na busca da surpreendente emoção! Sem título, remetem à essência das sensações mais puras. Sem passado, herdam os genes dos primeiros abstractos da escultura moderna – Moore, Hepworth, Brancusi. Sem pecado, seduzem pela inocência muito serena que delas emana.
Estranha é a junção do mundo da cerâmica com o mundo da pintura. Mundos paralelos, como trilhos, que o pintor e ceramista, sendo um só, propõe como caminhos duma única direcção, a da vida, tal como ele a percepciona e sente. Talvez por isso, as formas saem da linha para assumirem a plenitude da volumetria! Apropriam-se do plano multicolorido para corporizar a monocromia intimista dos detalhes! São rotundas e sugestivas, fragmentos existenciais que se apresentam em magmática matéria residual espelhada!
Ventres recônditos de frutos, flores a abrirem em movimentos imperceptíveis, torsos femininos esboçando voos, enamorados no aconchego da ternura, ... Elas lembram e lembram-se de ser vidas e porque o sugerem comprometem o artista, sujeitando-o à condição de edificador de sonhos valiosos e perecíveis.

Junho de 2004

Margarida Santos

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